Em
qualquer psicanálise existe sempre a dimensão do apoio emocional, que
estará mais ou menos presente, especialmente em momentos de crises na
vida do analisando. Se alguém me disser que isso ocorre também em outras
psicoterapias e que, portanto, não é característica da psicanálise, eu
até concordaria. Mas se me dissessem que isso não ocorre no processo
psicanalítico, eu iria discordar. O simples ato de alguém ouvir o outro –
de preferência inteligentemente – já é um grande apoio emocional. E
olhem que ouvir não é muito fácil…
Além disso, num processo psicanalítico existe sempre um movimento na direção do esclarecimento dos pensamentos e das emoções do analisando (subterraneamente do analista também...). À medida que o paciente fala, revive e sente, inevitavelmente estará esclarecendo seus pensamentos, memórias e emoções relacionados com sua vida presente e passada. Isso por si só constitui grande parte do que se passa no encontro psicanalítico: a catarse e o esclarecimento. Outra vez, poderei ouvir que isso, por si só, isso não caracteriza a psicanálise. Concordo mas, repito, essa é, sem dúvida, uma das milhares dimensões que ela apresenta.
E os vários aspectos do relacionamento interpessoal entre as duas pessoas, o analista e o analisando, que se encontram regularmente por um considerável período de tempo? Sei que para alguns isso pode ser uma heresia, especialmente os que consideram a psicanálise uma forma de hermenêutica, isto é, meramente uma interpretação da fala do paciente. Não tenho nada contra essa noção, pois, de certa forma, a fala pode ser vista como um texto a ser interpretado (chegaremos à interpretação daqui a pouco). Mas dizer que isso ocorre num ambiente impessoal, sem que se forme um laço entre analista e analisando, parece-me uma negação do encontro entre essas duas pessoas.
Em termos de psicanálise, muito importante é a transferência, isto é, a maneira como o paciente se relaciona com o analista, inconscientemente tentando repetir os relacionamentos que teve com pessoas importantes do seu passado. Aqui entra um elemento histórico na análise. De uma feita concordei com um analista meu amigo que me disse que quanto menos uma pessoa tiver a necessidade de esquecer, maior será a sua saúde mental. Também não podemos desconsiderar as distorções emocionais vindas do analista, pois ele da mesma forma tem a sua história com pessoas importantes do seu passado. Chamamos isso de contra-transferencia.
Poderíamos incluir aqui não só esse tipo de contratransferência como também aqueles sentimentos que o analisando provoca silenciosamente no analista e que o faz, sem saber, repetir os sentimentos e o comportamento de pessoas importantes na vida passada do analisando.
É por isso que o analista sempre deve desconfiar de todos os seus sentimentos e pensamentos que surgem no seu encontro com o analisando e usá-los para entendê-lo melhor.
Mas agora vem a pergunta inevitável. Além da transferência e contratransferência,
existe um relacionamento real entre o analisando e o analista? Caímos aqui na maior controvérsia. Para alguns não existe e tudo que ocorre nesse relacionamento deve ser atribuído à transferência e contratransferência. Mas outros que acham que esse relacionamento não só existe como é fundamental. Com eles vamos encontrar termos como Aliança Terapêutica, Aliança de Trabalho e outros, que chamam a atenção para a importância desse relacionamento real entre as duas pessoas e que, eventualmente, irá (espera-se) prevalecer sobre as distorções transferenciais. Então essa poderia ser uma das várias metas do processo psicanalítico: o encontro dos dois participantes sem as distorções interpessoais oriundas de seus passados.
Aqui me ocorre também o termo “Experiência Emocional Corretiva” que considero outra dimensão do processo. Não estou me referindo ao analista se comportar propositadamente de determinada maneira para se diferenciar das pessoas importantes na vida do analisando. Refiro-me apenas ao psicanalista não reciprocar as provocações emocionais transferenciais do analisando. Isso, por si só, já constitui uma correção. E é necessária uma boa formação e a própria psicanálise para o analista não cair nesse engodo. Lembro-me de um psicanalista supervisor que eu admirava e que trabalhava em psicoterapia intensa com pacientes esquizofrênicos. Ele parecia um missionário: acreditava que apesar da maneira doentia que o paciente com ele se relacionava, mais dia menos dia iria dar lugar a um relacionamento real saudável entre os dois.
O método psicanalítico é construído para maximizar essas distorções transferenciais até que elas se tornem o problema central no processo: a chamada Neurose de Transferência que poderá então ser analisada no aqui e no agora. Poderíamos dizer que quanto maior a freqüência das sessões, quanto menor for a transparência do analista, maior será a intensidade dessa Neurose de Transferência.
Ao falar no relacionamento entre analista e analisando penso nos pacientes com doenças mentais graves. Freud achava que a psicanálise não se aplicava a esses pacientes – considerados muito narcisistas – portanto incapazes de formar um laço emocional com o psicanalista. Por causa dessa sua posição (apesar de na prática ter tratado de pacientes com desordens muito graves), muitos psicanalistas até hoje não atendem esses pacientes. Entra aí então o conceito de analisabilidade, isto é, os pacientes que são selecionados como analisáveis, antes de serem aceitos como analisandos. Contudo, mesmo contrários à opinião de Freud, alguns analistas se interessaram por esses pacientes. Para atendê-los eles modificaram a psicanálise. O analista ficava mais ativo e mais transparente ao analisando, sem o uso do divã.
Harry Stack Sullivan, nos Estados Unidos, trabalhou com sucesso com esses pacientes e desenvolveu o conceito de “Participante Observador” para definir o papel do analista nesses casos. Mas isso será assunto para meu próximo artigo, uma área de controvérsia entre a psiquiatria e a psicanálise.
Podemos concordar com os puristas que o que realmente diferencia a psicanálise das outras psicoterapias é a sua proposta de interpretar o inconsciente. Só para lembrar, o inconsciente, que aparece muito camuflado nos sonhos e nos atos falhos, não é de fácil acesso. O atendimento psicanalítico é montado para facilitar a emergência desse inconsciente através da associação livre. O papel do analista é ajudar o paciente a se conscientizar desses processos mentais que até então não lhe eram acessíveis. Nesse sentido acho útil a focalização na fala do paciente porque realmente, entre outras coisas que se passa na sessão, o analista tenta ouvi-la inteligentemente.
Nesse sentido acho também interessante o estudo da lingüística, com os conceitos de significado e significante, entre outros, aplicados ao processo psicanalítico. Mas não paro aí. O paciente também se comunica com o analista num modo pré-verbal e emocional.
Volto a enfatizar que existem muitas coisas acontecendo simultaneamente no consultório do analista quando o analisando, deitado no divã, faz as suas associações livres.
Até agora, com a relação à interpretação, estamos usando o referencial da chamada Primeira Tópica freudiana ou Teoria Topográfica (consciente, pré-consciente e inconsciente). Mas, como sabemos, eventualmente, ao tentar entender melhor o funcionamento mental, especialmente nas reações terapêuticas negativas e no sentimento de culpa, Freud construiu também uma Segunda Tópica, também chamada Teoria Estrutural (ego, id, superego). Parte do ego é inconsciente (por exemplo, as defesas), quase todo o id também o é, e o superego só aparece clinicamente quando entra em conflito com o id ou com o próprio ego. Numa análise nós também usamos esse referencial estrutural pelas mesmas razões que levaram Freud a construí-lo. Quando assim o fazemos, estamos trabalhando nos relacionamentos do ego com as outras duas agências mentais e com a realidade externa. Essa Teoria Estrutural ajuda no entendimento de certos fenômenos mentais, entre eles a adaptação do analisando ao seu mundo exterior. Ela é erroneamente criticada por ser uma “psicanálise ortopédica do ego” que foge do inconsciente para levar a pessoa a se conformar com as normas sociais vigentes. Claro que isso não é assim, porque conformidade não é o mesmo que adaptação.
A teoria topográfica e a estrutural podem se completar, mas nunca foram integradas numa abordagem geral. Ora uma é usada ora outra, dependendo do que ocorre na análise.
É interessante notar que foi mais ou menos na mesma época em que Freud explorou essa visão estrutural, que ele, que até então defendia uma teoria monista dos instintos (só a libido) passou a propor uma teoria dualista dos mesmos, colocando a agressão como um instinto tão básico quanto a libido.
Vocês podem agora estar se perguntando como o analista consegue levar em conta todas essas variáveis e ainda se conscientizar de tudo que a fala e o comportamento do paciente provocam dentro de si mesmo (nós somos muito mais humanos do que não, não?). Aqui voltamos ao que Freud chamou de Atenção Flutuante. Um analista razoavelmente analisado nunca focaliza numa só dimensão do que ocorre na sessão psicanalítica. Isso só acontece com principiantes inseguros que precisam reduzir as dimensões para se sentirem mais no controle da situação. Com os mais experientes, a Atenção Flutuante funciona bem na medida em que o analista escuta e sente a presença e as mensagens de seu analisando (verbais e não-verbais). Ele deixa a sua atenção livre para seguir todos os caminhos que se lhe apresentem na sua mente. Como dizia um amigo meu analista: Se numa sessão de análise eu não aprendi nada sobre mim mesmo, provavelmente o paciente também não aprendeu...
Portanto, proponho que no processo psicanalítico existem mil e uma dimensões. Nesse pequeno artigo eu mencionei algumas que me vieram à mente, sem me preocupar em saber quais são as mais importantes. Eu poderia continuar mencionando outras e então este artigo não teria fim.
Paro por aqui. Mais ou menos por aí. A lápis…
24/12/08
Além disso, num processo psicanalítico existe sempre um movimento na direção do esclarecimento dos pensamentos e das emoções do analisando (subterraneamente do analista também...). À medida que o paciente fala, revive e sente, inevitavelmente estará esclarecendo seus pensamentos, memórias e emoções relacionados com sua vida presente e passada. Isso por si só constitui grande parte do que se passa no encontro psicanalítico: a catarse e o esclarecimento. Outra vez, poderei ouvir que isso, por si só, isso não caracteriza a psicanálise. Concordo mas, repito, essa é, sem dúvida, uma das milhares dimensões que ela apresenta.
E os vários aspectos do relacionamento interpessoal entre as duas pessoas, o analista e o analisando, que se encontram regularmente por um considerável período de tempo? Sei que para alguns isso pode ser uma heresia, especialmente os que consideram a psicanálise uma forma de hermenêutica, isto é, meramente uma interpretação da fala do paciente. Não tenho nada contra essa noção, pois, de certa forma, a fala pode ser vista como um texto a ser interpretado (chegaremos à interpretação daqui a pouco). Mas dizer que isso ocorre num ambiente impessoal, sem que se forme um laço entre analista e analisando, parece-me uma negação do encontro entre essas duas pessoas.
Em termos de psicanálise, muito importante é a transferência, isto é, a maneira como o paciente se relaciona com o analista, inconscientemente tentando repetir os relacionamentos que teve com pessoas importantes do seu passado. Aqui entra um elemento histórico na análise. De uma feita concordei com um analista meu amigo que me disse que quanto menos uma pessoa tiver a necessidade de esquecer, maior será a sua saúde mental. Também não podemos desconsiderar as distorções emocionais vindas do analista, pois ele da mesma forma tem a sua história com pessoas importantes do seu passado. Chamamos isso de contra-transferencia.
Poderíamos incluir aqui não só esse tipo de contratransferência como também aqueles sentimentos que o analisando provoca silenciosamente no analista e que o faz, sem saber, repetir os sentimentos e o comportamento de pessoas importantes na vida passada do analisando.
É por isso que o analista sempre deve desconfiar de todos os seus sentimentos e pensamentos que surgem no seu encontro com o analisando e usá-los para entendê-lo melhor.
Mas agora vem a pergunta inevitável. Além da transferência e contratransferência,
existe um relacionamento real entre o analisando e o analista? Caímos aqui na maior controvérsia. Para alguns não existe e tudo que ocorre nesse relacionamento deve ser atribuído à transferência e contratransferência. Mas outros que acham que esse relacionamento não só existe como é fundamental. Com eles vamos encontrar termos como Aliança Terapêutica, Aliança de Trabalho e outros, que chamam a atenção para a importância desse relacionamento real entre as duas pessoas e que, eventualmente, irá (espera-se) prevalecer sobre as distorções transferenciais. Então essa poderia ser uma das várias metas do processo psicanalítico: o encontro dos dois participantes sem as distorções interpessoais oriundas de seus passados.
Aqui me ocorre também o termo “Experiência Emocional Corretiva” que considero outra dimensão do processo. Não estou me referindo ao analista se comportar propositadamente de determinada maneira para se diferenciar das pessoas importantes na vida do analisando. Refiro-me apenas ao psicanalista não reciprocar as provocações emocionais transferenciais do analisando. Isso, por si só, já constitui uma correção. E é necessária uma boa formação e a própria psicanálise para o analista não cair nesse engodo. Lembro-me de um psicanalista supervisor que eu admirava e que trabalhava em psicoterapia intensa com pacientes esquizofrênicos. Ele parecia um missionário: acreditava que apesar da maneira doentia que o paciente com ele se relacionava, mais dia menos dia iria dar lugar a um relacionamento real saudável entre os dois.
O método psicanalítico é construído para maximizar essas distorções transferenciais até que elas se tornem o problema central no processo: a chamada Neurose de Transferência que poderá então ser analisada no aqui e no agora. Poderíamos dizer que quanto maior a freqüência das sessões, quanto menor for a transparência do analista, maior será a intensidade dessa Neurose de Transferência.
Ao falar no relacionamento entre analista e analisando penso nos pacientes com doenças mentais graves. Freud achava que a psicanálise não se aplicava a esses pacientes – considerados muito narcisistas – portanto incapazes de formar um laço emocional com o psicanalista. Por causa dessa sua posição (apesar de na prática ter tratado de pacientes com desordens muito graves), muitos psicanalistas até hoje não atendem esses pacientes. Entra aí então o conceito de analisabilidade, isto é, os pacientes que são selecionados como analisáveis, antes de serem aceitos como analisandos. Contudo, mesmo contrários à opinião de Freud, alguns analistas se interessaram por esses pacientes. Para atendê-los eles modificaram a psicanálise. O analista ficava mais ativo e mais transparente ao analisando, sem o uso do divã.
Harry Stack Sullivan, nos Estados Unidos, trabalhou com sucesso com esses pacientes e desenvolveu o conceito de “Participante Observador” para definir o papel do analista nesses casos. Mas isso será assunto para meu próximo artigo, uma área de controvérsia entre a psiquiatria e a psicanálise.
Podemos concordar com os puristas que o que realmente diferencia a psicanálise das outras psicoterapias é a sua proposta de interpretar o inconsciente. Só para lembrar, o inconsciente, que aparece muito camuflado nos sonhos e nos atos falhos, não é de fácil acesso. O atendimento psicanalítico é montado para facilitar a emergência desse inconsciente através da associação livre. O papel do analista é ajudar o paciente a se conscientizar desses processos mentais que até então não lhe eram acessíveis. Nesse sentido acho útil a focalização na fala do paciente porque realmente, entre outras coisas que se passa na sessão, o analista tenta ouvi-la inteligentemente.
Nesse sentido acho também interessante o estudo da lingüística, com os conceitos de significado e significante, entre outros, aplicados ao processo psicanalítico. Mas não paro aí. O paciente também se comunica com o analista num modo pré-verbal e emocional.
Volto a enfatizar que existem muitas coisas acontecendo simultaneamente no consultório do analista quando o analisando, deitado no divã, faz as suas associações livres.
Até agora, com a relação à interpretação, estamos usando o referencial da chamada Primeira Tópica freudiana ou Teoria Topográfica (consciente, pré-consciente e inconsciente). Mas, como sabemos, eventualmente, ao tentar entender melhor o funcionamento mental, especialmente nas reações terapêuticas negativas e no sentimento de culpa, Freud construiu também uma Segunda Tópica, também chamada Teoria Estrutural (ego, id, superego). Parte do ego é inconsciente (por exemplo, as defesas), quase todo o id também o é, e o superego só aparece clinicamente quando entra em conflito com o id ou com o próprio ego. Numa análise nós também usamos esse referencial estrutural pelas mesmas razões que levaram Freud a construí-lo. Quando assim o fazemos, estamos trabalhando nos relacionamentos do ego com as outras duas agências mentais e com a realidade externa. Essa Teoria Estrutural ajuda no entendimento de certos fenômenos mentais, entre eles a adaptação do analisando ao seu mundo exterior. Ela é erroneamente criticada por ser uma “psicanálise ortopédica do ego” que foge do inconsciente para levar a pessoa a se conformar com as normas sociais vigentes. Claro que isso não é assim, porque conformidade não é o mesmo que adaptação.
A teoria topográfica e a estrutural podem se completar, mas nunca foram integradas numa abordagem geral. Ora uma é usada ora outra, dependendo do que ocorre na análise.
É interessante notar que foi mais ou menos na mesma época em que Freud explorou essa visão estrutural, que ele, que até então defendia uma teoria monista dos instintos (só a libido) passou a propor uma teoria dualista dos mesmos, colocando a agressão como um instinto tão básico quanto a libido.
Vocês podem agora estar se perguntando como o analista consegue levar em conta todas essas variáveis e ainda se conscientizar de tudo que a fala e o comportamento do paciente provocam dentro de si mesmo (nós somos muito mais humanos do que não, não?). Aqui voltamos ao que Freud chamou de Atenção Flutuante. Um analista razoavelmente analisado nunca focaliza numa só dimensão do que ocorre na sessão psicanalítica. Isso só acontece com principiantes inseguros que precisam reduzir as dimensões para se sentirem mais no controle da situação. Com os mais experientes, a Atenção Flutuante funciona bem na medida em que o analista escuta e sente a presença e as mensagens de seu analisando (verbais e não-verbais). Ele deixa a sua atenção livre para seguir todos os caminhos que se lhe apresentem na sua mente. Como dizia um amigo meu analista: Se numa sessão de análise eu não aprendi nada sobre mim mesmo, provavelmente o paciente também não aprendeu...
Portanto, proponho que no processo psicanalítico existem mil e uma dimensões. Nesse pequeno artigo eu mencionei algumas que me vieram à mente, sem me preocupar em saber quais são as mais importantes. Eu poderia continuar mencionando outras e então este artigo não teria fim.
Paro por aqui. Mais ou menos por aí. A lápis…
24/12/08
Nenhum comentário:
Postar um comentário