O psicanalista e psiquiatra Jorge
Forbes* fala que:
A felicidade amorosa não tem garantia. Ele acredita que
buscá-la é obrigação de todos. Mesmo sabendo do risco de se machucar no
caminho.Todo ser humano necessita de alguém que o incomode, que o
desafie todos os dias. Quando acontece o encontro, um acorda o outro e é
bom, as pessoas precisam de alguém que as retire do comportamento
individualista. A mulher deve ser "a pedra no caminho" do homem, como
nos versos de Carlos Drummond de Andrade. É ela quem alerta o homem,
porque ele é mais acomodado e ela é mais inquieta. O encontro faz com
que os dois tenham motivo para reinventar a vida todos os dias. Mas
felicidade dá trabalho.
Fixar-se na falta do parceiro é uma atitude infeliz?
Idealizar que o parceiro é a fonte da felicidade tem dois lados ruins:
- Enquanto está sem par, a pessoa desvaloriza as outras conquistas da
vida, que também são importantes, mas acabam passando despercebidas.
- Se, por acaso, consegue que seu relacionamento amoroso atinja seu
ideal de felicidade, está fadada a perder essa situação, já que nenhum
relacionamento é ideal eternamente.
- Como realizar o sonho de ser feliz no amor?
- Tentar ser feliz é obrigatório. Realizar é uma sorte. Para chegar um pouco mais perto, aí vão alguns lembretes:
- Não acredite em conselhos que tenham em sua composição a palavra "dever".
- Esqueça regras pré-concebidas. As formas de satisfação a dois só podem ter uma regra – o comum acordo entre os parceiros.
- Os parceiros podem contar todas as fantasias amorosas um para o outro: contar sempre, realizar quando der.
- Jamais tente compreender a felicidade. É preciso suportar o
inusitado dela, mesmo se você não compreende o que está acontecendo! Com
medo de que a felicidade acabe, as pessoas ficam tentando descobrir a
receita para repetir exatamente o que aconteceu, na tentativa de
aprisionar o momento feliz. Mas toda vez que se constrói uma prisão, a
felicidade acaba.
- A base da felicidade é o novo, a originalidade. Ela é a
possibilidade de viver fora do padrão e de reinventar a vida. Quem ousa
tem mais chance de ser feliz.
Dizem que"casamento é loteria". Felicidade é questão de sorte?
Concordo que o amor é um encontro por acaso. A essência do
relacionamento não se pode prever e nem medir. Todo balanço pré-nupcial
tem um elemento imponderável, por isso os mais velhos costumavam dizer
que "quem pensa muito não casa". A razão é simples: é impossível
entender plenamente por que se está casando.
A felicidade depende da maturidade?
Isso não garante nada. A maturidade é uma chatice que a civilização
impõe. A felicidade é poder manter algo dos 5 anos de idade e não ser
taxado de débil mental. Felicidade é a força bruta do desejo, que dá o
impulso para que as coisas se realizem.
"Tenho medo da dependência" é outro clichê moderno para fugir da intimidade emocional.
Atrás dessa frase há sempre uma pessoa querendo muito ser dependente.
Ao encontrar alguém aparentemente disponível, agarra-se a ela como
garantia de segurança emocional, econômica, social, espiritual... mas
isso não é felicidade. Há sempre uma diferença radical entre dois
parceiros: amor é o nome que se dá à ponte que recobre temporariamente
essa distância entre eles. Mas a diferença sempre vai reaparecer, é
inevitável. A felicidade é tênue, um encontro provisório. Não é
standard, nunca é fixa.
Esperar que a relação seja fonte de felicidade revela uma visão idealizada do amor?Tratar a relação amorosa como um tapa-buraco para as dificuldades da
vida é exigir demais do parceiro, que acaba tendo uma responsabilidade
que desconhece e com a qual não pode arcar. Relacionamento amoroso
ajuda, sim, mas indiretamente: fornece energia e entusiasmo para
enfrentar a vida.
O que precisamos saber para amar e ser feliz?
Que não existe garantia. Todo amor é um contrato de risco e nisso
reside sua graça e sua desgraça. Graça, quando contribui para aumentar o
entusiasmo na vida. Desgraça quando deixa a pessoa desarvorada – a pior
reação de uma mulher frente à perda de um amor, segundo [a escritora]
Marguerite Duras.
Mulher sofre mais por amor do que homem?
JF: Geralmente, sim. O abatimento da mulher é maior porque a capacidade feminina de amar é infinitamente superior à do homem.
MC: Felicidade é uma responsabilidade pessoal?
JF:
Pessoal e intransferível. Quem espera que o outro lhe traga a
felicidade é porque se acomodou. Colocou o parceiro no lugar da mãe que
levava o Toddy na cama.
MC: Na carência afetiva, corremos o risco de consumir o outro como um "antidepressivo"?
JF:
Transformar amor em remédio é perigoso, felicidade não é artigo de
consumo. A relação amorosa tem duas vertentes: a afetiva e a sensual. A
afetiva é cuidado, segurança, companheirismo – é repetição. A sensual é
invenção e nada tem a ver com o cuidar – envolve surpresa, uso sexual
recíproco e tem uma vertente enigmática. Quando as pessoas estão
carentes, tendem a desenvolver a corrente amigável e sufocar a sensual.
Aí o amor acaba. Quem se preocupa demais com o dia-a-dia costuma fazer
mal amor à noite.
MC: A felicidade amorosa quase sempre vem acompanhada do medo da perda, do abandono ou da traição. Como superar isso?
JF:
Quando se gosta de alguém, a tendência é ficar vulnerável. Amar é
suportar ser ridículo. A partir dos 30 anos as pessoas estão escaldadas,
já tiveram decepções amorosas. Daí o medo. Mesmo assim, vale a pena
arriscar novamente, ainda sabendo que pode se ferrar de novo. Mas se a
pessoa só se ferra, é hora de desconfiar de suas más escolhas. Tem gente
que tem prazer em sofrer.
MC: A euforia do começo da paixão pode ser chamada de felicidade?
JF:
A paixão pode ser chamada de felicidade, mas, quando se transforma em
um ideal de vida, fica supervalorizada e representa um perigo. Fica
bonito no teatro, mas é muito triste na vida real. Daí personagens como
Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa... Morreram porque
tentaram eternizar a paixão. Quando os envolvidos querem manter
intocável a paixão, quando não suportam mudança ou interferência, acabam
selando um compromisso de morte.
*Jorge Forbes é presidente do
Instituto de Pesquisas e Psicanálise de São Paulo; membro da Escola
Européia de Psicanálise e autor de vários livros. O mais recente é "Da
Palavra ao Gesto do Analista", pela Jorge Zahar Editores.